CONTRABANDO DE GASOLINA E O PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA



*Dolane Patrícia e *Edgar Oliveira Campos

A gasolina no Estado de Roraima está custando em média R$

3,90 (três reais e noventa centavos). O Estado, faz fronteira com a

Venezuela, onde a gasolina é vendida por aproximadamente R$ 0,06 (seis

centavos).

Essa disparidade de valores entre dois países vizinhos, desperta

a prática do contrabando de gasolina. Mas qual a relação do crime de

contrabando de combustível, nos moldes atuais, no que tange a realidade

do Estado de Roraima e o princípio da insignificância?

Insta salientar que, embora muitas vezes utilizado de forma

sinonímica, as expressões “princípio da insignificância” e “crime de

bagatela” não possuem o mesmo teor semântico. O princípio da

insignificância é utilizado para se referir à norma aplicável na solução de

casos concretos, no passo que o crime de bagatela se refere a condutas

típicas de pouca lesão. Isto representa dizer que o princípio da

insignificância é aplicável em crimes de bagatela, ou seja, são termos que

possuem esferas de existências próprias.

Além do princípio da insignificância, importa ressaltar outros

princípios que estão intimamente ligados: O princípio da

proporcionalidade e o princípio da intervenção mínima.

O princípio da proporcionalidade trata-se do correto

balanceamento entre a gravidade da lesão produzida ao bem jurídico e a

pena aplicada ao agente que a praticou. Visa coibir intervenções estatais

que sejam desnecessárias e incompatíveis com a justa punição pelo ato

praticado.

É clara a ligação do princípio da proporcionalidade com o da

insignificância, pois este clama pela aplicação daquele. Impossível e

injusto seria mencionar uma aplicação de pena a fato considerado

irrelevante em seu aspecto material.

Outro princípio é o da intervenção mínima, que parte do

pressuposto que o Direito Penal, por entrar diretamente na esfera pessoal

do agente, só pode ser utilizado como último mecanismo na imposição de

Hodiernamente, o princípio da insignificância não é aceito nos

tribunais nacionais quando se refere a crimes de contrabando. O principal

argumento que fundamenta a inaplicabilidade do princípio é da natureza

proibitiva.

No entanto, já se sabe que o princípio da insignificância é fruto

de princípios, tais como, o da proporcionalidade e da intervenção mínima.

Neste contexto, resta-nos refletirmos sobre a real necessidade de

reconhecimento da infração bagatelar.

As situações específicas podem facilmente serem adaptadas ao

contexto social em que o estado de Roraima se encontra, onde se nota a

difusão da desigualdade social entre seus habitantes, paralelos no

contraste econômico de países vizinhos, principalmente a Venezuela.

Salienta-se também que o estado roraimense é partícipe de uma realidade

única dentro do contexto nacional.

Isto porque é o único que divide fronteiras diretas com a

Venezuela, país que possui combustível ao preço de R$ 0,06, de acordo

com levantamento da agência Global Petrol Price.

Obviamente, a constatação de pobreza ou desigualdade social

em números alarmantes não justifica a conduta criminosa e, inclusive, é o

entendimento do colendo Superior Tribunal de Justiça.

No entanto, há que se falar que as constantes omissões por

parte do poder público na melhoria da qualidade de vida do cidadão

roraimense recaem na chamada teoria da coculpabilidade, compreendida

como a situação onde o Estado compensa sua omissão no momento da

aplicação da pena.

Cabe articular o argumento da professora Simone Matos Rios

Pinto sobre a questão: “Outro fundamento do princípio da co-

culpabilidade é reconhecer a desigualdade entre os homens. Essa

desigualdade deve ser descontada, na conta, na hora da reprovação. “

Tal discussão apenas reforça a necessidade de se pensar sobre a

aplicação do princípio da insignificância em alguns casos de contrabando

de combustíveis na fronteira Brasil e Venezuela. Somando as análises de

fatores sociais e jurídicos, parece-nos perfeitamente cabível a utilização

do princípio da insignificância como elemento de consolidação da

subsidiariedade do direito penal.

Assim sendo, a desproporção entre preços do combustível

automotivo brasileiro e venezuelano mostra ser o fator principal da causa

do contrabando na fronteira Brasil-Venezuela. A prática se tornou tão

corriqueira que mereceu destaque na imprensa nacional: “Traficantes de

combustíveis vão à Venezuela, enchem o tanque, descarregam a carga do

lado brasileiro em galões, retornam ao país vizinho e abastecem

novamente (...) voltam à capital roraimense para abastecer depósitos

ilegais, onde o litro é vendido por R$ 2.”

Nessa prática, duas frentes são adotadas pelos contrabandistas,

sendo estes denominados por “caroteiros” ou “tanqueiros”. Caroteiros

são os agentes que acondicionam o combustível em diversos galões de

plástico, regionalmente denominados como “carotes”. Os tanqueiros, por

sua vez, tratam-se dos agentes que cometem o delito por meio da

utilização de veículos com tanques de combustível adulterado.

A prática de contrabando não se mostra como uma atividade

lucrativa individualmente, o perfil social dos agentes é concentrado em

pessoas geralmente desempregadas, com baixa escolaridade e que

iniciam tais práticas por circunstâncias de desemprego.

O aspecto jurídico do crime de contrabando é baseado na

proibição de inserção de combustível de origem estrangeira em território

nacional, já que a importação desse combustível, por ser monopólio da

União, sujeita-se à prévia e expressa autorização da Agência Nacional de

Petróleo - ANP.

Seria interessante que o Poder Judiciário roraimense inovasse

no reconhecimento do princípio da insignificância, em crimes de

contrabando de combustível, em casos de pequena quantidade, seguindo

assim, o posicionamento excepcional do STF e TRF da 1º Região, no que

tange a práticas de delitos semelhantes.

Seria também de grande relevância, a ação de políticas públicas

que corrigissem a desproporção do preço do combustível no Estado de

Roraima, visando diminuir o estímulo dessa prática, pois, como ensinava

Michel Foucault: “Existem momentos na vida onde a questão de saber se

se pode pensar diferentemente do que se pensa e perceber

diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir


*Advogada, Juíza Arbitral, mestranda em desenvolvimento

Regional da Amazônia. email: dolanepatricia@gmail.com #dolanepatricia

* Advogado, pós graduando em Direito Trabalho e processo do trabalho